A busca pela simplicidade está a complicar o iPad

A busca pela simplicidade está a complicar o iPad

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No início do mês passado, na crónica “Expectativa vs realidade: o que acontece com o iPad?”, eu escrevi:

Eu sinceramente espero que neste ano (assim como esperava em 2020, 2019, 2018, 2017 e 2016) a Apple apresente algo realmente significativo na WWDC para o iPad. Algo que realmente ajude o produto a entregar a promessa de auto-suficiência profissional. Não como algo que possa substituir o Mac, mas sim como algo que realmente consiga existir e manter-se de pé sobre as próprias pernas (ou flutuando no Magic Keyboard), sem fazer com que o utilizador se sinta com as mãos amarradas o tempo inteiro ao precisar de mais do que o sistema parece estar disposto a entregar.

Pois bem. Adicionemos 2021 a esta lista. A WWDC veio e foi-se, e outra vez o iPadOS passará pelo menos mais 12 meses a jogar contra seus utilizadores, e não a favor deles.

Mas antes de ser pessimista, vamos às boas notícias para variar um pouco a narrativa. A WWDC deste ano foi excelente. Ou melhor, as novidades anunciadas no evento foram excelentes. O FaceTime ganhou as funções que o deixavam aquém da concorrência, as notificações do iOS foram reformuladas com mais granularidade, a Siri ficará mais rápida com a análise de voz feita localmente no aparelho, o app de Notas ganhou funções de colaboração que faziam falta, enfim. Não faltaram boas notícias que ajudaram a mover todo o ecossistema da Apple adiante, em diferentes níveis de utilidade.

Mas poxa… coitado do iPad. Depois do lançamento do iPad Pro com M1, eu realmente tinha uma expectativa de que neste ano, pela primeira vez em muito tempo, sairíamos da WWDC a pensar “AGOOOORA SIM!”. Eu como espectador, e todos os compradores do iPad Pro com M1 que de fato torciam pela chegada da possibilidade de tirar mais proveito de seus aparelhos, ficamos com a sensação de que o software seguirá a funcionarncomo a âncora que impede o hardware de voar.

A diferença é que neste ano eu acho que entendi onde está o problema. O iPad não sabe quem ele é. Ou melhor, a Apple não sabe mais o que fazer com o iPadOS. Todas as interações, toda a interface, toda a filosofia de uso do iPadOS 15 está construída em cima de abstrações e de conceitos de usabilidade estabelecidos há mais de 10 anos, no lançamento do primeiro iPad, quando ele ainda rodava o iPhone OS 3.2. De lá para cá, todas as melhorias reais de usabilidade que chegaram ao sistema, como por exemplo o ecrã dividido para multitarefas, as aplicações abertas no modo flutuante, a interação com o rato e com o teclado, e tantas outras, foram o melhor que a Apple conseguiu fazer dentro dos limites que ela mesma impôs sobre como o primeiro iPad precisaria funcionar.

E isto é insustentável.

O iPad de 2021 não é mais o iPad de 2010. O uso do iPad em 2021 não é mais o mesmo de 2010. As necessidades não são as mesmas, as expectativas não são as mesmas, o mundo não é o mesmo.

Façamos um exercício: imagine um mundo sem o iPad. Um mundo em que temos apenas iPhones e Macs exatamente da forma como eles são hoje, mas sem o iPad.

Pois bem. Agora imagine que a Apple marca um evento, chama a imprensa, e apresenta seu novo dispositivo: um ecrã de 12,9 polegadas, com sistema operacional próprio, que pode ser usado opcionalmente com teclado e rato. Vês alguma hipótese deste produto rodar o iPadOS da forma como ele é hoje? Eu definitivamente não vejo. É bem possível, inclusive, que este produto rodaria um sistema muito mais próximo do macOS do que do iPhoneOS. Sem as restrições auto-impostas do passado, este seria um produto feito em 2021, para o público de 2021, e pensado para a próxima década ao invés de preso aos últimos 10 anos.

A minha conclusão é que enquanto a Apple continuar presa aos conceitos do iPad de 2010, ela seguirá a atualizar o iPadOS com mais e mais iterações adaptadas trazendo 1/3 da funcionalidade desejada. Está na hora da Apple abrir mão da busca pela simplicidade absoluta da interação que consolidou o iPad como símbolo da própria categoria, e aceitar que, como diz um dos heróis de Steve Jobs, 'the times – they are a-changin'.

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