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Acabou a surpresa? Talvez. Mas isso é ótimo!
Marcus Mendes

Acabou a surpresa? Talvez. Mas isso é ótimo!

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Ainda te lembras quando foi a última vez que algo sobre um novo iPhone realmente te surpreendeu? Para mim, a última verdadeira grande surpresa foi a cor Jet Black do iPhone 7. Digo, é claro que o Face ID e o seu polémico notch causaram um rebuliço no mercado, mas tecnicamente a surpresa neste caso veio pelas mãos do meu amigo Guilherme Rambo, e não no evento de apresentação do iPhone X. No caso do Jet Black, foi de facto a Apple que anunciou algo que chamou à atenção, foi inesperado, e sequer vinha sendo especulado.

Antes disso, acredito que o Touch ID e a Siri tenham sido novidades realmente surpreendentes, apesar de em ambos casos à época haverem rumores sobre os seus lançamentos. Pensando bem, foi assim com o próprio iPhone, que foi anunciado depois de anos de especulação a respeito da sua existência. Ainda assim, o seu design e funcionamento chocaram e impressionaram o mundo que, a meu ver, não sabia muito bem o que esperar, e ainda assim recebeu algo que não poderia ter imaginado.

Quando penso nos lançamentos de iPhones dos últimos anos, tenho dificuldade em lembrar de ter sentido o mesmo grau de empolgação de anos anteriores. Não que eu faça parte da equipa dos que defendem que a inovação da empresa tenha morrido junto com Steve Jobs. Longe disso. Inovação, aliás, é uma palavra que perdeu completamente o seu sentido nos últimos anos e atualmente só é invocada como um acessório fácil para transformar uma insatisfação pessoal numa crítica pseudo-embasada.

Mas é facto que a evolução (que é muito diferente de inovação) do iPhone deu uma desacelerada nos últimos anos. E tudo bem! O iPhone já é um produto relativamente maduro, graças às suas iterações anuais. Mas isso não significa que ele vá deixar de evoluir ou de trazer novidades. Inovadoras? Sim. Surpreendentes? Hmm.. acho que não. Acho que a dinâmica atual do mercado de notícias, somada ao facto de que absolutamente tudo relativo à fabricação dos iPhones envolve pedidos de peças aos milhões, acabaram com o espaço para surpresas. Somemos isso ao facto de que todos os anos, nós já chegamos aos eventos da Apple com a EXPECTATIVA de sermos surpreendidos. Querer se surpreender assim é tão eficiente quanto surpreenderes-te com uma festa surpresa para ti mesmo, que tu próprio planeaste.

Isso, inclusive, esbarra um pouquinho na crítica da falta de inovação. O iPhone sempre esteve à beira do que era possível, tecnologicamente, de existir num produto de bem de consumo. Pensemos no ecrã sensível ao toque do primeiro iPhone. Ele representou um salto tecnológico que arrisco dizer que acontece uma vez a cada século. Por outro lado, a Apple só precisou fazer aproximadamente 6 milhões de unidades. Comparemos isso com hoje em dia, em que qualquer componente inovador que faça parte do iPhone tem que ter a garantia de um bom funcionamento consistente em 50, 70, 100 milhões de unidades. Complicado, não? Ironicamente, o sucesso tremendo do iPhone é justamente o que impede que ele avance mais rapidamente, à mesma medida que estamos acostumados às primeiras gerações.

Soma isso ao facto de que hoje em dia, com um fluxo de informações muito bem-estabelecido entre analistas e a cadeia de fornecedores, é praticamente impossível a Apple pedir 50, 70, 100 milhões de peças de alguma coisa em segredo. Alguém, em algum lugar do processo, informará Ross Young, Ming-Chi Kuo e tantos outros analistas, que por sua vez informarão isso ao mercado investidor. É impossível um pedido de 60 milhões de uma lente fotográfica, por exemplo, passar despercebido nesta dinâmica de partilha de informações. Mais do que isso, é difícil imaginar alguma outra empresa a pedir volumes tão grandes de peças que não seja a Apple.

Por isso, parece-me que a esta altura do campeonato, está cada vez mais difícil de sermos realmente surpreendidos com novos iPhones. Mesmo quem tenha por hábito evitar fugas de informação, ainda cai no paradoxo de não se surpreender por estar a aguardar ser surpreendido. E mesmo quem não caia neste paradoxo, está preso ao que as escalas de produção permitem que uma tecnologia realmente inovadora vá de 0 a 100 milhões de peças fornecidas em um curto intervalo de tempo.

O que não significa, é claro, que o iPhone tenha perdido o seu brilho. Muito pelo contrário. Hoje em dia, vivemos num mundo em que temos ao nosso alcance, anualmente, uma atualização do absoluto máximo que a evolução tecnológica pode nos proporcionar. Nunca tivemos tanta tecnologia ao nosso dispor em um produto tão diminuto. E mesmo que isso tenha deixado de nos surpreender, eu acredito que quem realmente gosta de tecnologia nunca deixará de se impressionar.

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Opinião