No caso contra a Epic, a Apple já perdeu
Marcus Mendes

No caso contra a Epic, a Apple já perdeu

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Eu acho que é impossível ser fã de tecnologia (ainda mais no meu caso, que sou formado em comunicação e marketing) e não se interessar pelas minúcias de casos como o do julgamento da Epic Games contra a Apple. Não apenas pelo caso em si, mas por todas as informações de bastidores que são reveladas em meio aos argumentos de acusação e de defesa.

Nestes últimos dias, à oportunidade da primeira semana do julgamento que decidirá se a Apple deve ou não permitir que a Epic (e por consequência todos os outros apps da App Store) possa transacionar compras internas em aplicativos por fora do sistema nativo de pagamentos, uma quantidade enorme de e-mails e comunicações internas da empresa tornou-se conhecimento público.

Dezenas e dezenas de comunicações entre Phil Schiller, Tim Cook, Steve Jobs, Eddy Cue e muitos outros executivos menos high-profile da Apple vieram a público, e mostraram que a Apple é… exatamente igual a qualquer outra empresa que vive em um mundo capitalista: ela se preocupa com retenção de clientes, maximização de lucros, otimização de recursos e fortalecimento de ecossistema exatamente da mesma forma que pequenas start-ups se preocupam.

Estes documentos, a meu ver, são mais prejudiciais à Apple do que qualquer decisão contrária à companhia que possa ser anunciada nos tribunais. Isso porque eles vão totalmente de encontro à imagem que a Apple passou as últimas décadas construindo cuidadosamente. Aquela imagem muito mais próxima da emoção do que da razão. Mais próxima da magia do que da prática. A cada oportunidade que teve, a Apple promoveu a App Store como um presente de Cupertino para o mundo. Um canal de possibilidades infinitas para os desenvolvedores. Pensando bem, isso não se limita à App Store. Toda a imagem da Apple é construída em cima dessa noção de que ela faz magia na forma de produtos, e o dinheiro é apenas um detalhe. Uma consequência natural e quase irrelevante da relação entre os valiosos clientes, e a empresa mais valiosa do mundo.

No fundo, é claro que era óbvio que a Apple, assim como eu e tu, trabalha para ganhar dinheiro. Mas o fato de que ela terá que passar três semanas a falar sobre isso tem o potencial de desfazer todo o trabalho que ela passou anos a fazer para estabelecer essa imagem mágica que até pouco tempo atrás parecia intocável.

No final das contas, qualquer argumento de defesa que a Apple possa fazer para justificar a comissão da App Store, a relação com os desenvolvedores e até mesmo as mudanças recentes nas regras da loja, terá de ir contra a imagem benevolente e altruísta que ela construiu com tanto cuidado ao longo das últimas décadas.

Se o impacto disso extrapolará a nossa pequena bolha de tecnologia e chegará ao grande público, isso é algo que só o tempo dirá. Mas cada novo e-mail, cada novo depoimento e cada nova defesa da Apple neste caso custará aos nossos olhos muito mais do que qualquer porcentagem de comissão jamais conseguirá pagar.

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Crónicas