Steve Jobs faleceu há 12 anos, deixando a Apple nas mãos do seu Diretor de Operações, Tim Cook, que desde então imprimiu um novo estilo de gestão nesta gigante da tecnologia.
Não pretendo endeusar Jobs ou Cook. Muito menos o oposto. Ninguém duvida da genialidade do primeiro, ou sobre as competências do segundo.
Tim Cook trouxe-nos o Apple Watch (2015), os AirPods (2016), os Apple Silicon para o Mac, e pretende que o seu legado esteja associado ao Vision Pro.
Uma questão de personalidade
Se Jobs era um autocrata viciado em trabalho, Cook imprimiu um estilo democrático e colaborativo na gestão da Apple.
A questão é que passou muito tempo. Se pensarmos bem, o primeiro iPhone foi lançado no dia 29 de junho de 2007. Já correram 16 anos, o que em "medida tecnológica" equivale a uns 50.
Deverá, presumo, ser simples de entender que não se pode estar constantemente a reinventar a roda. Cook, e muito bem, tem vindo a regar a semente semeada por Jobs, continuando, ano após ano, a cuidar dos nossos amados iPhone, iPad e Mac, criando, suprimindo ou recuperando características, sem atraiçoar a identidade e originalidade destes dispositivos.
Lei dos Rendimentos Decrescentes
Quando estudava economia na universidade, aprendi esta lei. Resumidamente, ensinaram-me assim: temos um campo de cultivo onde semeamos 4 linhas de sementeira de alface. Mas percebemos que há espaço entre essas linhas para semear mais linhas. Então, toca a fazer isso. De repente, quase que duplicámos a produção.
Mas depois, achamos que entre essas agora 8 linhas ainda há espaço para fazer o mesmo. E assim ficaríamos com 12 linhas de alface. Só que não. Forçámos tanto o campo de cultivo, que as alfaces já nasceram mais pequenas, e por isso, perdeu-se todo o rendimento esperado.
Conclusão: mantendo-se todos os factores de produção constantes (estado do tempo, condições do terreno, quantidade de água por semente, etc.), à medida que se acrescenta uma semente, a produção aumenta, até que, a partir do máximo que o terreno aguenta, passamos a ter cada vez menos rendimento.
Um pomar que dá cada vez menos maçãs
Perdoem-me estas alusões agrícolas para expressar a minha opinião, mas a metáfora é irresistível. Sempre que me foi possível, assisti ao lançamento dos novos produtos Apple.
E já é tão absolutamente cansativo ouvir o Tim Cook, tal como Steve Jobs fazia, a dizer que são os melhores e mais rápidos dispositivos que a Apple alguma vez criou. Produtos que superam largamente as suas versões anteriores, quanto mais a concorrência. É só ver este vídeo da CNET para perceberem o que estou a dizer.
Podiam gravar um template e mudar o número da versão do modelo a cada ano. Tudo isto é verdade. Mas, quer dizer, não seria lógico lançar um produto igual ou pior do que a sua versão anterior!
É muito difícil fazer mais e melhor a título permanente. Sobretudo neste mundo tecnológico. Porém, remover a MagSafe dos Mac para depois a voltar a introduzir. Ir alternando entre o design inspirado nos iPhone 5 e 6 (linhas planas e linhas curvas, respetivamente), recuperar a múltipla paleta de cores vivas nos iMac, etc. Sim, é bom para um refrescamento. Mas já foi pomar que deu maçãs. Isto é sempre mais do mesmo.
Assumir que as maçãs sabem a maçã?
Talvez a Apple tenha que assumir que não está em constante inovação. Não está. Um Apple Watch é um dispositivo esperado. Uns AirPods também. Quer dizer, já está tudo inventado. Há quantos anos temos dispositivos de realidade virtual/aumentada? A Apple terá que simplesmente assumir que, o que quer faça, faz melhor.
E qual é o segredo? A interação entre o software e hardware que, mesmo quando estava na sua fase Intel, não tinha par. Com os Apple Silicon, então, nem se fala. Basta manter a fórmula. Todos sabemos que maçã sabe a maçã. Mas será doce e crocante? Se for, todos queremos continuar a comê-la.
Inovar, só se lançasse um dispositivo de teletransporte, ou, vá, um projetor holográfico. Porque foi isto que Jobs nos deu: produtos caros (embora afirmasse que eram acessíveis), que concretizaram na vida real o que se via nos filmes de ficção científica, incluíndo os fantásticos designs simples e futuristas.
Mais do mesmo afugenta a clientela
A Apple devia parar de subdividir as categorias dos seus dispositivos. Air, Mini, SE, Plus, Pro, Pro Max, Ultra.... Mega, Hiper, Super! O exagero na criação de concorrência dentro do seu próprio universo é, no meu ponto de vista, contraproducente.
Se quisermos os topo de gama, o seu valor de base é exorbitante. Um Apple Watch Ultra 2 por €909,00? Um iPhone 15 Pro Max por €1,499,00!? Se por acaso valessem a pena para quem tem, digamos, uma versão de há três ou quatro anos. Mas, em boa verdade, se refletirmos bem, talvez não valha.
Para além da tendência para comprar a novidade, somos muitas vezes impelidos a comprar os modelos mais recentes porque os novos sistemas operativos ou já não são suportados ou, pior ainda, não disponibilizam certas funcionalidades a que gostaríamos de ter acesso.
Pior ainda é quando assistimos a modelos de Apple Watch com o mesmo processador ao longo de dois anos. E mesmo que tenham um processador novo... quem consegue notar essa tão "avassaladora" diferença de velocidade?
Falta de enfoque?
Há o recente caso do titânio. Já lá foi o terceiro update feito à pressa para evitar o sobreaquecimento. O primeiro foi para "correções de segurança" e o segundo para para resolver "um problema que podia impedir a transferência de dados diretamente de outro iPhone durante a configuração". Talvez seja por isto que a taxa de adoção do iOS 17 tem sido surpreendentemente baixa em relação às iterações anteriores.
A preocupação com o ambiente é fundamental, mas o que me pareceu este ano foi que, à falta de capacidade para inovar nos seus principais dispositivos, a Apple apostou tudo nesta questão.
Considerando a limitação de tempo que os eventos da Apple costumam ter, foi tanta a percentagem alocada à pegada ecológica. Em todo e cada um dos dispositivos anunciados.
Vá lá... bastaria terem abordado este importantíssimo assunto num momento dedicado, informando que iria aplicar-se a toda a estratégia de produção.
É que nem houve tempo para falar nos AirPods Pro de 2.ª geração. Ai não! Desculpem, foi só mesmo um upgrade da caixa de carregamento para ligação USB-C.
Num equilíbrio periclitante?
Lamento toda esta acidez discursiva. Todavia, ainda mantenho a minha máxima: "prefiro o pior da Apple do que o melhor da concorrência".
Porque ainda assim, mudar para a concorrência significa deixar de ter acesso a dispositivos simples de utilizar, rápidos, bonitos, e principalmente, funcionais, eficientes e úteis no meu dia a dia.
Vamos lá, Apple. Assumam que não precisam de provar o que já há muitos anos é sabido: vocês sabem inovar! Sabem fazer bem. Mas já há não grande paciência para nos trazerem uma câmara com um zoom ligeiramente melhor, ou que o relógio tem um ecrã mais brilhante...
É que, tanto ênfase na ideia do melhor de sempre, está a mesmo perder o seu impacto. Com tantos bugs dos sistemas operativos, designs praticamente imutáveis, e novidades insípidas (como o magnífico Action Button), aos preços praticados, já serão muitos a voltar atrás na decisão de terem aderido aos dispositivos Apple. Assim dita o implacável mercado.
Sei bem que a Apple coloca certas funcionalidades e características no mercado apenas quando tem a certeza de que vão funcionar na perfeição. Basta ver a quantidade de smartphones que têm um pequeno ponto negro no ecrã para acomodar a câmara frontal (e não Ilhas Dinâmicas), bem como leitor de impressão digital sobre esse mesmo ecrã.
Mas como, em regra, a concorrência limita-se a imitar e a lançar mais cedo funcionalidades menos seguras, e talvez mesmo menos eficientes, vislubram-se cada vez mais pontos de atração para o outro lado.
A Apple tem mesmo que rever a sua estratégia. Tem que voltar a criar o brilho nos olhos a que habituou os seus clientes. Espero que o sucessor de Tim Cook não piore tudo, caso contrário, para minha tristeza, dentro de poucos anos a empresa da maçã estará em muito maus lençóis. E não haverá um Steve Jobs para a voltar a salvar.
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