Review de uma entrevista que nunca aconteceu

Review de uma entrevista que nunca aconteceu

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“O único problema com a Microsoft é que eles não têm bom gosto. Eles não tem bom gosto absolutamente nenhum. Eu não digo isso sobre coisas pequenas. Digo sobre coisas grandes. Eles não pensam em ideias originais e eles não aplicam muita cultura no produto. E você pode dizer “porque é que isso é importante?”. Bem, fontes proporcionalmente bem espaçadas vêm de tipografia e de belos livros. É daí que alguém tira essas ideias. Se não fosse pelo Mac, eles nunca teriam colocado isso nos produtos deles. Então, eu não fico triste com o sucesso da Microsoft. Eles conquistaram-no, em sua maior parte. O meu problema é com o facto de que eles só fazem produtos de terceira categoria”.

Steve Jobs, 1995.
“O problema que eu sempre tive com a Microsoft… em muitos aspectos, eles são pessoas inteligentes e vêm fazendo um ótimo trabalho. Mas eles nunca tiveram bom gosto. Eles nunca tiveram uma noção estética. E eu acho que isso é porque as pessoas que fundaram a empresa, em sua maioria, eram fundamentalmente matemáticos e cientistas, e eles não entendem como as pessoas de facto querem que seja a experiência das coisas”

Steve Jobs… nunca?

A tecnologia avança de um jeito engraçado. Nós, que gostamos do assunto, vivemos imersos num fluxo perene de notícias a ponto de perdermos a referência do quão incrível é o momento que estamos a testemunhar. Ao longo dos últimos anos, dia após dia, vivenciamos pequenos milagres tecnológicos que até há pouco tempo eram tidos como quase impossíveis. Toma, por exemplo, as tecnologias por trás de sistemas como o Dall-E, deepfakes, GPT-3, modulação de voz, etc, etc.

Se isoladamente, esses pequenos avanços já seriam suficientes para fazer explodir a cabeça de, até mesmo, visionários como Arthur C. Clarke, imagina juntar alguns desses avanços para proporcionar algo realmente novo e revolucionário.

Foi essa a sensação que tive esta semana, quando recebi do meu amigo Guilherme Rambo o link para o primeiro episódio de um podcast chamado Podcast.AI. Composto por uma conversa de 20 minutos de duração entre Joe Rogan e Steve Jobs, ao longo de cada palavra, de cada frase, a cada segundo, senti uma mistura de admiração e revolta. Admiração pelo facto de que é absolutamente inegável a precisão com a qual os maneirismos, o tom de voz, o estilo de discurso e até mesmo a língua levemente presa de Steve Jobs foram mimetizados. E revolta porque, bem, se o teu sentido aranha não acende quando a questão da ética entra nesta salada de tecnologias e possibilidades, acho que está na hora de pensares mais a respeito disso.

Ao longo desses 20 minutos de uma conversa que nunca aconteceu, as interpretações da inteligência artificial sobre Joe Rogan e Steve Jobs falam sobre espiritualidade, LSD, tecnologia, a história da Apple, inovação, evolução e obsolescência. Tanto a obsolescência tecnológica, quanto a humana. A conversa toma caminhos inesperados, traz insights poderosos, e tem um leve tom de pitadas de humor que Jobs costumava empregar nas suas entrevistas. Parte do que este Jobs inventado diz durante a conversa que nunca aconteceu, soará bastante familiar para quem consumia as suas entrevistas quando ele era vivo. Pudera: os criadores do podcast explicam que alimentaram a inteligência artificial com a biografia de Jobs, bem como com todas as entrevistas que eles puderam encontrar. Provas disso são as duas falas que eu trouxe no começo desse texto. Comparando a fala real com a inventada, dá para ter uma noção do processo de entendimento, interpretação, e criação de frases semi-originais que a IA empregou para gerar o texto final. Por outro lado, muitas frases perspicazes ditas pelo Jobs de mentira nunca foram ditas pelo Jobs de verdade, e isso é primorosamente assustador.

As implicações éticas disso, é claro, são muitas. Eu não sei como me sinto em relação à ideia de que temos ao nosso alcance o poder de convincentemente testemunhar conversas em nome de alguém que não está mais aqui. Sei que sinto-me incomodado, mas ainda não consegui formular uma impressão além daí. Sei, também, que embora fique claro o entusiasmo do podcast com a possibilidade técnica de fazer algo assim, essa tecnologia igualmente poderia ser utilizada para fins menos… dignos, nas mãos de pessoas menos idóneas.

No fim das contas, tendo escutado algumas vezes o podcast, ainda fico com a confusa sensação de que não sei exatamente o que devo pensar. Por vezes, dou por mim a reparar nas pequenas imperfeições de entonação ao final das frases, ou nas gargalhadas das vozes eletrónicas. Outras vezes, acho curiosa a forma como a IA se expressa, como no momento em que o Joe Rogan imaginário diz que “com o computador NeXT, ele desenvolveu uma nova linguagem de programação e um novo sistema operacional, e ficou ainda mais famoso por ter feito três aplicações para este computador”. Semanticamente, o texto é totalmente preciso. Mas a forma de expressá-lo é tão… técnica e generalista, que soa curiosamente artificial. É o tal do uncanny valley.

Mas acima de tudo, tendo escutado o podcast essas algumas vezes, em todas elas eu termino a sessão com a sensação de alívio. A mesma sensação que vem de encontrar um velho conhecido na rua, e colocar a conversa em dia por alguns minutos. Ou talvez de acordar depois disso e dar-me conta de que o facto nunca aconteceu realmente.

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