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Rumores são “divertidos”, mas vamos com calma
Marcus Mendes

Rumores são “divertidos”, mas vamos com calma

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Vamos tirar uma coisa da frente: eu não tenho nenhum problema com rumores. Muitos são divertidos, muitos são interessantes, MUITOS são malucos, e todos têm uma coisa em comum: eles chamam muito à atenção.

Ao longo dos últimos anos, muitos analistas, jornalistas, programadores, entusiastas e criadores de conteúdo construíram carreiras e excelentes reputações por conta da divulgação de informações exclusivas.

Ming-Chi Kuo, por exemplo, tem informantes na cadeia asiática de suprimentos. Isso significa que, quando um fornecedor da Apple encomenda 60 milhões de sensores que até hoje não fazem parte da composição do iPhone, é seguro imaginar que os modelos seguintes passarão a contar com esses sensores.

Antes de Kuo, o reinado era de Gene Munster. Apesar de ter virado motivo de piada pela (quase) admirável insistência de que a Apple poderia lançar um aparelho televisor a qualquer momento, Munster teve os seus dias de glória com previsões baseadas em análises financeiras e relatórios de mercado encomendados pela empresa em que trabalhava.

Mark Gurman, ex-9to5mac, construiu uma rede de informantes tão confiável e profunda dentro da Apple, que foi contratado pela Bloomberg para passar a dar as suas informações exclusivas, reportar fugas de informação em primeiríssima mão e ajudar a publicação a se tornar uma referência quando o assunto é: o que vem por aí no mundo da Apple.

Já os programadores Guilherme Rambo e Steve Troughton-Smith tornaram-se fontes absolutamente confiáveis a respeito do futuro dos produtos da Apple, bebendo diretamente da fonte. Com engenharia reversa e um profundo conhecimento das entranhas do iOS, macOS e afins, ambos passaram anos a antecipar novidades do mundo da Maçã, com destaque para a descoberta do ícone do iPhone X feita por Rambo após uma fuga de informação atrapalhado no código do HomePod.

Existem também, claro, os anónimos. Contas de Twitter controladas por pessoas desconhecidas que ao longo dos últimos anos se provaram confiáveis com fugas de informação, especificações, fotos promocionais e outros materiais meses antes do anúncio oficial. Paralelamente, pessoas como Evan Blass têm até mesmo um plano de patronato para antecipar de forma exclusiva aos seus seguidores os materiais que recebem de fontes nos principais fabricantes de tecnologia mundo fora.

No meio disso tudo, nunca faltaram aspirantes a esse Olimpo dos leakers. Muitos jornalistas, sites, programadores e entusiastas tentam diariamente tornar-se no próximo Rambo, o próximo Kuo ou o próximo Gurman.  O problema é que nem todos têm o cuidado, a responsabilidade, a paciência ou até mesmo o interesse e o compromisso com a verdade para chegar ao topo da forma natural.

O que me traz ao tema desta coluna: a falta de cuidado que aparentemente se tornou a regra (ou pelo menos algo aceitável) quando o assunto é o mundo dos rumores e das fugas de informação. Vocês sabem de quem estou a falar.

Nos últimos meses, Jon Prosser tornou-se numa figurinha carimbada nos sites que incluem rumores e fugas de informação nas suas linhas editoriais.

Quero deixar claro que não tenho nada contra o rapaz, e tenho certeza que ele deve ser uma pessoa divertidíssima para conversar sobre tecnologia numa mesa de bar.

(Quero deixar claro também que esta não é a opinião do iFeed. Quaisquer críticas ou problemas que esta coluna venha a causar, que sejam endereçados diretamente a mim.)

Na verdade, a minha crítica não é direcionada especificamente a Prosser, mas a toda essa máquina da indústria dos rumores que segue recompensando quantidade em detrimento de qualidade.

No grau de fiabilidade das fontes do iFeed, alguns dos nomes que eu citei aqui aparecem no topo da lista. No entanto, no mundo real, no dia a dia dos sites de tecnologia, esses nomes acabam tendo de disputar o mesmo espaço com leakers menos preocupados com a própria credibilidade (ou com a confiança de quem os lê).

E é por isso que cada vez que algum leaker mais afobado divulga alguma informação sem se preocupar com a veracidade, ele acaba prejudicando todo o resto do mercado. Ele desvaloriza aqueles que se preocupam em realmente verificar uma informação, aqueles que tiram alguns dias para estudar algo de cabo a rabo antes de falar sobre o assunto, aqueles que por vezes optam por não divulgar uma fuga de informação simplesmente porque não conseguiram confirmar a informação com uma segunda fonte. Ou uma terceira. Ou uma quarta.

Eu entendo 100% a vontade de ler notícias sobre tecnologia, de imaginar as infinitas possibilidades que se abrem com um registo de patente, e até mesmo aquela curiosidade que surge quando vemos uma foto escura, borrada e mal-enquadrada de um candidato a protótipo de um produto qualquer. Entendo mesmo. Eu faço isso o dia inteiro.

Mas confesso que tem me entristecido ver como tem ficado cada vez mais aceitável a ideia de obrigar jornalistas responsáveis e preocupados com a missão de informar o público a dividirem o espaço com pessoas que, no fundo, encontraram na nossa paixão pelo mundo da tecnologia uma grande desculpa para se conseguirem promover.

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Crónicas