Passadas duas semanas da keynote da WWDC, acho que agora já está um pouco mais fácil de entender o que de realmente relevante foi anunciado pela Apple e, especialmente, os anúncios relevantes que ela não fez.
Do lado do software, parece-me inegável que a integração cada vez mais eficiente entre iOS, iPadOS, watchOS e macOS faz com que o ecossistema da Maçã seja, de longe, o mais avançado do mundo. Coisas como o Universal Control, que permitirá arrastar o rato do Mac para dentro do iPad, pegar algum elemento e trazer de volta, parecem algum conceito que até pouco tempo atrás só conseguíamos ver em filmes futuristas de ficção científica. Já a função Live Text, para mim a mais útil que a Apple apresentou nos últimos anos, finalmente transforma a tecnologia OCR em algo realmente fácil de usar e, principalmente, de fácil acesso.
Para o Apple Watch, é inegável que a Apple tenha decidido que este será o dispositivo definitivo de saúde que há anos já simboliza não só a categoria de vestíveis da Apple, mas sim a categoria de vestíveis do mercado inteiro.
Em qualquer outro ano, esta teria sido uma WWDC memorável pelo tanto de anúncios legais (ainda que apenas iterativos) de funções que chegarão às nossas mãos dentro de alguns meses. Mas estamos em 2021, né? Estamos no ano em que a relação entre a Apple e os desenvolvedores nunca esteve tão fragilizada. E a respeito deste assunto, a Apple anunciou… nada.
Há algumas semanas eu escrevi aqui sobre como eu torcia para que a Apple aproveitasse a oportunidade da WWDC para sinalizar uma renovação na relação com os desenvolvedores. Mais do que isso, escrevi que apesar da minha torcida, eu também imaginava que existia uma enorme possibilidade da Apple ignorar o proverbial elefante branco no meio da sala, e simplesmente anunciar as novas funções de todos seus sistemas. E foi exatamente isso que aconteceu, o que foi uma pena.
Acho que o recado tácito que a Apple passou durante a WWDC foi que não importa o quanto os desenvolvedores se mostrem frustrados, a Apple sabe que eles seguirão trabalhando com ela. No fim das contas, é basicamente a mesma lógica de preços que ela aplica ao redor do mundo, não é? A maioria dos produtos tem preços bem acima do que coletivamente nós julgaríamos como apropriado, mas a maioria de nós acaba pagando, mesmo que reclamando. E ela sabe disso, portanto, para que mudar?
A única menção a tudo isso que eu consegui encontrar veio não na WWDC, mas sim no podcast The Talk Show do John Gruber, em que ele bateu um papo com Craig Federighi e o Greg Joswiak. Ao finalzinho da entrevista, John Gruber citou a frustração dos desenvolvedores com a decepcionante atitude de soberba que a Apple assumiu nessa relação, e a resposta, infelizmente, foi igualmente desapontadora. Federighi e Joswiak fingiram surpresa com esta insatisfação, e disseram não compreender de onde vem tanta animosidade por parte dos desenvolvedores.
Pois bem. Aí é que está o problema, não é? Porque se eles realmente foram pegos de surpresa com isso (o que eu acho muito difícil), isto só prova que a Appel de fato não tem a menor ideia do estrago que ela está fazendo no segmento desenvolvimento. Por outro lado, parece-me pior ainda a possibilidade deles, sabendo de tudo isso, terem adotado esta atitude de ignorância apenas para fazer parecer que os desenvolvedores estão reclamando de barriga cheia.
Seja como for, parece-me que a mensagem que a Apple passou sobre isso durante a WWDC foi clara. Aliás, mais do que isso: o fato da Apple não ter passado nenhuma mensagem sobre isso diz muito sobre a forma como ela pretende encarar este problema. Pensando bem, Universal Control me parece um nome muito apropriado não só para o empolgante recurso de integração entre o iPadOS e o macOS, mas também para a filosofia da Apple nas relações com todos que a cerca.
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