Tim Cook e o SPAM de Macs
Marcus Mendes

Tim Cook e o SPAM de Macs

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Há uns 4 anos, que eu tenho um passatempo estranho. Sempre que tenho a impressão de que a Samsung está a anunciar muitos telefones em um curto intervalo de tempo, eu vou até o site GSMArena e conto quantos telefones a Samsung já lançou no ano. Especialmente a partir do segundo semestre, a somatória de telefones é invariavelmente maior do que a quantidade de semanas decorridas no ano em questão. (Aos curiosos, a Samsung lançou 17 telefones ao longo das 23 semanas de 2022. Uma rara exceção).

Eu sempre tirei sarro da empresa por causa dessa prática, e depois de um tempo passei a classificar este hábito como um SPAM de hardware. E julgo ser uma classificação adequada. Há anos, a estratégia da Samsung é inundar o mercado com múltiplas opções de telefones em todas as faixas de preço, de modo a que o consumidor fique em dúvida sobre QUAL telefone da Samsung comprar, ao invés de haver espaço para a dúvida da compra de um telefone da Samsung vs. Xiaomi, Motorola, Huawei, OnePlus, e etc. E a estratégia costuma dar certo. Há anos, a Samsung é a maior vendedora de telefones do mundo (excepto na China), seguida pela Apple. Excluindo a Apple da jogada, isso quer dizer que a Samsung tem o absoluto domínio do mercado de telefones Android.

O mais curioso é que nos últimos anos a empresa reduziu a quantidade de telefones lançados. A própria direção da companhia anunciou isso como uma decisão estratégica há uns anos, quando a concorrência passou a aumentar. Na prática, a Samsung cortou da sua linha de produtos uma série de aparelhos que tornavam o seu pacote de ofertas ainda mais confuso, e adaptou o seu line-up para se organizar entre as opções das linhas A, F, M e, claro, S.

Em contrapartida, o grande trunfo da Apple sempre foi apostar numa quantidade reduzida de iPhones a serem lançados todos os anos. Desde o iPhone original até ao iPhone 5, existia apenas… um modelo de iPhone. Já no 6, a Apple apresentou o Plus. Depois vieram os SE, Pro, mini, Pro Max e etc, para acomodar a evolução natural do mercado que (sob bastante influência do SPAM de hardware da Samsung e em menor grau dos seus concorrentes) passou a exigir uma linha mais flexível, especialmente no que diz respeito ao tamanho dos ecrãs.

Pois bem. Dito tudo isto, quando olhamos para o cenário de Macs, ele é bem diferente. Quanto mais eu penso sobre a quantidade e a variedade de Macs à venda hoje em dia, especialmente no caso dos portáteis, mais a estratégia da Apple me parece como a estratégia da Samsung para o mercado de telefones. Tomemos o MacBook Air como exemplo. Na WWDC no início do mês, a Apple apresentou ao mundo o MacBook Air com chip M2. Se fôssemos seguir a lógica histórica da Apple com este tipo de lançamento, partiríamos da premissa de que ela iria descontinuar o MacBook Air com chip M1. Mas não foi isso que aconteceu. Neste momento, ambos estão à venda (apesar do novo modelo ainda não ter sido lançado de facto), e milhares de pessoas seguem comprando o modelo com M1 todos os dias, possivelmente por este ser o único portátil da Apple abaixo do preço de US$ 1.000. Quando olhamos para o Mac mini, a situação é parecida. Existem três modelos à venda, incluindo um com o ultrapassado Intel Core i5. Já a linha de MacBooks Pro, bem, não vou nem tentar resumir para que esta coluna não fique muito mais extensa do que já está. A mesma coisa no caso dos Desktops.

Muito se diz sobre a Apple de Tim Cook, e sobre como o foco da Apple migrou da criatividade para as operações desde que ele assumiu o cargo de CEO. Eu definitivamente não discordo. Inclusive, falei recentemente sobre como a inovação de Tim Cook estava escondida atrás não de produtos chamativos, mas sim na forma magistral como ele lida com o inventário, cadeia de suprimentos, operações e distribuição (e reutilização) de recursos. Aos poucos, a linha de Macs tem se tornado tão embolada quanto a linha de telefones da Samsung, o que não significa necessariamente que isso esteja errado. Mas definitivamente é um sinal de que na missão de manter o faturamento da divisão de Macs por volta dos 10%, como tem sido há muitos trimestres, a Apple abriu mão de ter uma linha enxuta e elegante de opções (a anos-luz de distância do quadrante de 2x2 Macs que Steve Jobs instituiu quando voltou à Apple), e passou a adotar uma espécie de SPAM de hardware premium, com múltiplas opções de Macs para o utilizador considerar comprar. Todas, é claro, mais caras do que as da concorrência.

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Opinião