Está a valer
Marcus Mendes

Está a valer

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Quem acompanha o meu podcast Área de Transferência sabe como foi… desafiador encontrar múltiplos temas semanalmente para repercutir com os meus amigos Bruno Casemiro, Guilherme Rambo e Gustavo Faria. Não é segredo para ninguém que o nosso interesse pelo que envolve a Apple é maior do que o nosso interesse pelo resto do mercado de tecnologia, mas a Apple não vinha a contribuir muito. Depois do lançamento dos Macs com processador M1, em novembro do ano passado, as novidades acabaram minguando um pouco.

Mas, enfim, depois de um semi-longo inverno, a espera acabou. Na última terça-feira, a Apple apresentou não somente uma leva de novos produtos, mas sim a visão dela para a próxima década de dispositivos. Recentemente, eu escrevi por aqui que se a Apple de facto lançasse o iMac colorido, isso significaria uma volta às origens da era moderna do Mac, com o apelo divertido e popular que vinha a faltar na linha à época (e agora). E isso realmente aconteceu. É bem verdade que eu achei as tonalidades pavorosas – e acho que não estou sozinho – mas este não é o ponto. O ponto é que depois de criar coragem para investir em cores nos iPhones, nos iPads e até mesmo nos MacBooks no passado de forma mais contida com opções prata, cinza e rosa, as cores parecem ter voltado com (quase) tudo em Cupertino não como a exceção, mas como a nova regra.

Mais do que isso, assim como aconteceu na década de 90, já me parece meio óbvio que não vai demorar para Samsung, LG, Asus e outras seguirem o mesmo caminho, tornando todo o cenário da tecnologia moderna mais colorido, mais alegre e menos sisuda.

Por outro lado, falemos sim das cores. Eu entendo que adotar tons menos saturados na frente do aparelho seja para não cansar a vista. Mas, céus, não dava para fazer isso bonito também? Da mesma forma, entendo que o queixo seja necessário possivelmente para proteger a placa lógica do calor do ecrã de 24 polegadas. Mas, novamente, e que tal os designers justificarem o salário e encontrarem uma solução elegante para o problema, da mesma forma que gerações passadas o fizeram em Cupertino? Mas acho que este é o problema. Enquanto a ausência de Jony Ive no comando do design da empresa está a abrir caminho para mais cores, para a volta do teclado não-descartável nos MacBooks e para um comando da Apple TV que seja menos… divisivo, esta mesma ausência parece ser mais sentida nos momentos em que um desafio técnico e um desafio estético parecem ser impossíveis de serem solucionados ao mesmo tempo.

Aliás, falemos sobre o comando. Ele resolve de forma definitiva a longa lista de problemas e de reclamações que vejo por aí desde o lançamento do Siri remote. Se antes ele era muito fino, agora parece ter a grossura de uma Bíblia de bolso. Se antes era simétrico, agora é assimétrico. Se antes faltavam botões, agora há muitos botões. Grandes, pequenos, em cima, na lateral… Se antes o vidro era frágil, agora é um alumínio robusto. Se antes era difícil de navegar pela barra de progressão do vídeo, agora há uma área com 5 botões só para isso. Antes era preto? Agora é prata. Antes era bonito? Bem…

Mas tudo bem. Creio que este comando será suficiente para que as discussões em torno da Apple TV sejam sobre o produto de facto, e não sobre o comando. Na Apple TV 8K eles dão um jeito de deixá-lo mais bonito. E quem sabe com cores?

Por fim, falemos do iPad Pro. À primeira vista, ele está praticamente igual. Mas esta talvez seja a principal novidade do evento. Este iPad Pro (ainda mais por basicamente o mesmo preço) é a chave para o futuro da Apple. Ao ganhar (ainda que de forma cenográfica) o chip M1 e o ecrã Mini-LED, a Apple sinalizou que o iPad Pro, apesar de estar anos-luz à frente da concorrência, agora sequer pode ser considerado um tablet assim como o resto da linha de iPads.

É bem verdade que não levará muito tempo para que todos os iPads, ou melhor, todos os produtos da Apple, adotem o display Mini-LED. Ou então que alguns saltem a tecnologia Mini-LED e adotem diretamente a Micro-LED. Facto é que a Apple usará este iPad Pro para baratear a produção de larga escala desta tecnologia e, por consequência, aprenderá lições importantes para a sua evolução miniaturizada. O Mini-LED ainda é um relativo desafio para o mercado, e ao colocar no principal modelo de um de seus principais produtos, a Apple está a dizer: vamos por aqui. E podem confiar, que vai dar certo.

Já sobre o processador, explico por que é que eu disse que a adoção do M1 foi cenográfica. Se o M1 já era basicamente o nome de marketing da evolução dos processadores da série A que a Apple vinha a utilizar no iPad, a adoção do nome M1 é mais uma forma de sinalizar que o iPad é, sim, um computador, e não um irmão grandão do iPhone. É a forma da Apple de dizer que ela finalmente está pronta para desprender o iPad das amarras de sua origem, e já tem mercado, interesse, maturidade e, principalmente, tecnologia suficiente para alçar novos vôos.

Isso não significa necessariamente que ele terá que rodar macOS no futuro, assim como muitos ainda estão prevendo. Mas sem dúvida significa que ele já virou gente grande, e passará a ser tratado como tal.

Quando eu disse no começo do texto que a Apple havia inaugurado a nova década para seus dispositivos, era neste conjunto da obra que eu estava a pensar. iPad Pro com processador de Mac, iMac com aspecto de iPad, Mini-LED a abrir o caminho para a inevitável aposentadoria do OLED. Um produto informando o caminho do outro, aprendendo um com o outro, ajudando a desenvolver o outro, e muitas, muitas cores.

Só espero que essas cores não continuem tão feias por toda a próxima década.

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Crónicas