Imaginem se pudessem apagar partes das vossas vidas que, por dor ou desgosto por exemplo, quisessem deixar de sentir o que essas emoções provocam?
De repente, somos invadidos pela série Severance no streaming Apple TV+, e o que julgamos estar distante da nossa realidade, pode já não estar assim tão longe.
Faz-nos refletir não é?
Entrar na realidade de Severance é abandonar a ideia de uma única realidade. É viver num mundo paralelo, sem sequer termos consciência de que ele realmente existe.
Todos os dias somos assoberbados pelo correr igual dos dias, a rotina, o que acontece nela, acaba por nos empurrar para um marasmo que nem sempre questionamos. O tempo passa e, na maior parte das vezes até, deixamos que situações no trabalho afectem a nossa vida pessoal e ao contrário também.
Ainda assim, o que nos afasta de não nos sentirmos vivos, com sentimentos como a perda, a desilusão, a solidão, a não aceitação, acaba também, por nos fazer querer afastar da angústia e desespero que essas sensações acarretam com elas.
Como reagiríamos se fosse possível eliminar da nossa mente tudo o que nos magoa?

Foi no dia 18 de fevereiro de 2022, num mundo ainda assombrado pela pandemia de Covid-19 que, a Apple TV+ nos presenteou com esta premissa que dá lugar a Severance.
Esta é a história de Adam Scott ( Mark Scout), a personagem principal da série, funcionário das Indústrias Lumon, que aceita participar num programa em que as memórias do trabalho são separadas das da vida e vice-versa. Sendo cada uma delas apagada, conforme entra ou sai no trabalho, todos os dias.
Na verdade é talvez injusto, atribuir a uma só personagem o estatuto de mais importante, porque todas elas acabam por ter um papel fundamental num qualquer momento desta história. Cada um deles arrasta consigo mistério, que acaba por nos prender ao ecrã. O que será que leva a Burt Goodman (Christopher Walken nunca desilude), a trabalhar naquele sítio por tanto tempo?

E Helly Riggs (Britt Lower), que parte da vida ela esconde?

Cada uma destas personagens leva-nos a querer descobrir mais, a querer passar logo para o episódio seguinte. Provavelmente também nós, desejamos nem que seja um bocadinho, “apagar” qualquer coisa da nossa vida, que ainda nos incomoda. Mas onde nos pode levar este desejo? E quais as consequências de não conseguirmos viver com o que nos incomoda? Leva-nos a algo melhor? Apagará mesmo tudo por completo, ou o nosso corpo acaba por nos dar sempre sinais de que um qualquer outro sinal nos é familiar?
São muitas as perguntas que nos surgem a cada episódio e por isso mesmo é tão difícil não querer logo passar ao seguinte.

Severance é envolta em segredos e dúvidas existenciais, num mundo com tantas transformações e evolução científica é também, muito complexo, não pensarmos se algum dia tudo o que se passa nesta série não poderá vir mesmo a acontecer.
Não posso deixar de sublinhar a extraordinária banda sonora que nos envolve ainda mais na série, a cargo de Theodore Shapiro, também conhecido por dar créditos musicais em filmes como Collateral Beauty ou The Secret Life of Walter Mitty, também este dirigido por Ben Stiller, tal como Severance.