Crónica Marcus Mendes
Marcus Mendes

Uma luz no fim do Safari

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Se já resolveste aventurar-te nos betas do iOS 15, iPadOS 15 ou macOS Monterey e estás a gostar da experiência do Safari, parece-me que fazes parte da minoria. Acho que nos últimos anos, a rejeição que o novo Safari tem recebido só rivaliza com a rejeição que o Apple Maps sofreu lá no início, em 2012, resultando inclusive na demissão de Scott Forstall.

É bem verdade que a demissão de Scott Forstall já estava a maturar na Apple desde o falecimento do Steve Jobs, e tudo indica que o Apple Maps tenha sido apenas a oportunidade perfeita de despachá-lo com um motivo exemplar, mas ainda assim, o evento não deixa de ser histórico.

Pois bem. Voltando ao Safari. Para quem não sabe do que estou a falar, a Apple resolveu repensar completamente a interface do Safari nos sistemas que ela anunciou na última WWDC. No Mac, as principais novidades anunciadas foram a forma como a barra superior do Safari adota as cores principais do site que está aberto, a ocultação do botão de recarregamento da página, e a decisão de transformar a barra de endereços e a lista de separadores abertos numa coisa só, tornando o cabeçalho do Safari um pouco mais estreito em relação à versão oficial de hoje em dia.

Já no iOS 15, a Apple manteve alguns desses conceitos. Escondeu o botão de recarregar a página (mas adotou o recurso de pull-to-refresh), e transformou a barra de endereços em um botão flutuante no rodapé da interface (adicionando também a opção de navegar entre os separadores abertos por meio de swipes para a direita e para esquerda). No entanto, ao tocar na barra de endereços para escrever uma nova pesquisa ou um novo site, a barra subia láááá para a parte de cima do ecrã, voltando ao seu lugar original, e descia de volta lááááá pro rodapé depois que o usuário confirmava o comando de pesquisa ou de acesso ao novo site.

Já no iPadOS 15, bem… no iPadOS 15 a Apple adotou um pouquinho do conceito do macOS Monterey, um pouquinho do conceito do iOS 15, e fez uma verdadeira salada que não me pareceu ter agradado nem a gregos, e nem a troianos.

Imediatamente após a keynote da WWDC, não tardou para opiniões bastante divididas sobre o novo Safari tomarem conta de grande parte das reações ao evento. De um lado, os que tinham adorado o visual da nova interface. Do outro, os que tinham detestado. De ambos lados, a impressão era acompanhada da importante ressalva “mas ainda não mexi pra ter certeza”.

Com a liberação do primeiro beta, pareceu-me que a balança passou a pender para o lado pessimista das impressões. E ela seguiu pendendo, seguiu pendendo, e só piorou no beta 2, quando além do redesenho, o Safari chegou acompanhado de bugs funcionais também, que impediam o bom uso e bom comportamento do aplicativo.

Em meio a isso tudo, não faltaram discussões em podcasts (inclusive no Área de Transferência), artigos, tweets e vídeos criticando o novo navegador. Se o novo Safari não foi detestado pela maioria dos utilizadores, ele certamente foi detestado por uma minoria bastante vocal que, parece-me, conseguiu comprovar uma das melhores notícias dos últimos tempos: a notícia de que a Apple está disposta a ouvir os utilizadores.

Sim, porque no terceiro beta dos sistemas, lançado nesta última semana, o novo Safari está… diferente. Melhor em alguns aspectos, como por exemplo com a devolução do botão de recarregamento de página no Mac, e também com a (óbvia) decisão de manter a barra de endereços na porção de baixo da interface no iPhone durante a digitação, mas aparentemente pior em outros, a tomar pelo volume de críticas que tenho visto sobre a dificuldade de entender qual separador está aberto no iPad e no Mac.

Quem observou mais de perto as mudanças de interface que a Apple tem proposto nos últimos anos não deve ter sido apanhado completamente de surpresa com o novo Safari. A inexplicável compulsão por esconder botões atrás de botões de reticências, engrenagens e outras gavetas digitais, sempre em busca de uma maior limpeza da interface, passou do ponto do estéreo, passou do ponto do preciosismo, e já está há bastante tempo no campo das más práticas de interface e de usabilidade. Quem usa a app nativa de e-mail sabe do que estou a falar. Por outro lado, pela primeira vez em algum tempo, estamos a ver uma reversão de curso com base em feedback popular, o que nunca foi exatamente o ponto forte da Apple.

É claro que podemos argumentar que “betas são para isso”, e que a Apple não está a fazer nada além da obrigação dela quando observa o feedback dos utilizadores que se dispõem a, no fundo, trabalhar gratuitamente para ela durante 3 meses enquanto ela vai acertando os detalhes (ou mais do que detalhes) do novo sistema. Por outro lado, não faltam exemplos nestes últimos anos de mudanças ou falta de usabilidade das aplicações da Apple para mostrar que ela nem sempre está disposta a acatar o feedback que nos dispomos a enviá-la. Quem usa a app nativa de podcasts sabe do que estou a falar. Lembretes, também. Música, também. Apple TV, nem me fales.

Mas em meio a isso tudo, por mais que o novo Safari siga polémico, este terceiro beta deixou-me otimista. Se o programa de betas públicos foi lançado depois da catástrofe que foi o lançamento do Apple Maps em 2012, cá estamos quase 10 anos depois sentindo que, pela primeira vez em muito tempo, ele pode evitar algo parecido com a app que muitos estão a usar exatamente agora para ler este texto.

Vem, beta 4! E por favor, devolve-me o botão de reload no iPhone.

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