Esta semana, o sempre excelente MKBHD publicou o seu interessantíssimo vídeo anual em que os espectadores escolhem, num teste cego, o melhor telefone do ano quando o assunto é o conjunto de câmaras.
Apesar de deixar bastante claro que não se trata de um teste científico, ainda assim este é um jeito bastante eficiente de analisar não apenas a qualidade das câmaras dos aparelhos, mas também o que o público entende como um bom resultado fotográfico.
Já é sabido que, geralmente, imagens saturadas tendem a ser vistas como “melhores” pelo grande público. É por isso que muitas TVs contam com uma espécie de “Modo Loja”, em que as cores recebem um realce por vezes bastante exagerado na tentativa de chamar mais à atenção do potencial cliente no meio de um mar de televisões na parede de um showroom.
Por outro lado, mesmo que tecnicamente fotos saturadas não sejam necessariamente boas fotos, esta é uma noção que cai por terra quando isso entra no processo de decisão para separar o que é bom e o que não é.
De volta ao teste de Brownlee, ele também chama a atenção para um facto importante na determinação do vencedor de 2020: os embates entre os aparelhos, feitos de 2 em 2 seguindo o estilo de chaves de competições científicas, foram gerados aleatoriamente. É bem provável que, repetindo-se esse teste inúmeras vezes, com a infinidade de combinações possíveis entre os 16 aparelhos analisados, os resultados finais seriam diferentes todas as vezes. Ou, talvez não.
Facto é que, nesta organização, o Zenfone 7 Pro sagrou-se vencedor do comparativo de 2020 após mais de 10.000.000 de votos cravados nas 13 rodadas de embates entre os candidatos. O mesmo Zenfone que, no ranking da DXOMark, aparece na 28a colocação. Surpreendente? Certamente. E que bom! Ou, pelo menos, eu acho.
Mas sabes quem não acha? Os famosos comentadores da internet. Após assistir ao vídeo, eu caí no enorme disparate de me render à tentação de ler os comentários. E olha que eu uso um bloqueador de comentários no Safari para sequer carregar essas secções dos sites (justamente por nunca ter sido surpreendido positivamente ao correr os olhos por ali).
Mas desta vez, já pensando na crónica de hoje, precisei de olhar. E precisei de olhar pois, ao contrário do resultado do levantamento de Brownlee, os comentários são na sua maioria exatamente o que esperas: pessoas a defender os seus telefones, agredindo ou maldizendo os telefones dos outros, e um clima geral bastante antagónico num vídeo que, sinceramente, me pareceu uma celebração do triunfo da tecnologia sobre as limitações impostas pelas leis da física.
Quem acompanha a parte mais técnica do mundo da fotografia de telefones sabe que, há alguns anos, chegámos a um certo impasse do que é possível fazer. A miniaturização de componentes não consegue escapar da necessidade de haver espaço suficiente, e distância suficiente entre as lentes, para que sejam possíveis mais avanços significativos nessa categoria.
É bem verdade que, criativamente, uma solução adotada por alguns fabricantes foi a lente periscópica. Ao invés de ficarem limitados à grossura do aparelho, alguns fabricantes adotaram uma solução que utiliza um pequeno espelho interno posicionado a 45º em relação ao sensor, para possibilitar um pouco mais de distanciamento entre as lentes, sensores, etc. Estou a simplificar, é claro, mas essencialmente o resultado é fotos com maior qualidade, acompanhadas de um zoom óptico mais potente do que os das lentes tradicionais de telefones.
E foi justamente por isso que, nos últimos anos, fabricantes como a Google lideraram as iniciativas e os investimentos em fotografia computacional. Por uns 2 anos, os telefones Pixel fizeram mais com 1 lente (e bastante pós-processamento) do que telefones com 2 ou 3 lentes. A Apple, por sua vez, demorou muito para decidir entrar com os dois pés neste mercado por conta de um preciosismo e tradicionalismo besta associado à visão romântica do que “é fotografia de verdade”, sem aditivos.
Passados uns anos, cá estamos em 2020, quando é possível escolher entre quase duas dezenas de aparelhos lançados em apenas 1 ano para comparar a qualidade das suas fotos. E queres saber? Até mesmo a pior foto, aquela que recebeu a menor quantidade de votos, já está anos-luz à frente de qualquer coisa que teria sido possível há meros 5 ou 6 anos. Sorte dos pais e mães de filhos pequenos, que poderão contar com imagens quase perfeitas das suas crianças em qualquer situação. Sorte dos fotógrafos casuais ou profissionais, que podem valer-se de milhões de linhas de código e biliões de dólares investidos com o único propósito de oferecer a melhor foto possível de uma flor, um cenário, ou um momento trivial que poderá ser imortalizado de forma irretocável.
Sorte até mesmo desses manés que não se cansam de defender as suas escolhas de telefone como se fossem uma escolha de vida, e vêem donos de outros aparelhos como inimigos mortais. Se um dia eles pararem para perceber o quão ridícula é essa atitude, talvez sobre muito mais tempo para tirar, olhar ao redor e concluir que todos tiram boas fotos.
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